terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Papa cristão[i]



Flávio Munhoz Sofiati[ii]

A presença do Papa Francisco no Brasil possibilitou que pudéssemos acompanhar de perto a postura do novo chefe máximo da Igreja Católica. Diferentemente de seus antecessores, trata-se de um Papa que fala mais de Jesus Cristo e menos da Igreja. Francisco está menos preocupado com o valor econômico da instituição e se esforçou em enfatizar a dimensão espiritual do catolicismo imbuída de seu compromisso social.

Mas em seus discursos e homilias ficou evidente que, do ponto de vista moral, suas posições ratificam o conservadorismo dogmático dessa instituição multinacional com mais de 2000 anos de história. Apesar de não ter dado ênfase a esses temas, Francisco se declarou contra qualquer tipo de legalização das drogas, além de ser contrário ao casamento homoafetivo, uso de camisinha e legalização do aborto.

É legítimo que as instituições religiosas defendam suas opiniões acerca dos temas da sociedade e que promovam seu proselitismo no intuito de converter fieis. O que não se pode mais aceitar é que as igrejas procurem impor suas ideias em formas de lei para os não religiosos, pois o Estado deve permanecer laico e respeitar o direito de todos os seus cidadãos. Se por um lado a Igreja Católica não aceita realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por outro ela não pode impedir que o direito e desejo dos casais homoafetivos sejam realizados em outras igrejas ou pelo próprio Estado em forma de casamento civil.

Apesar do discurso moralista, do ponto de vista social podemos notar novas atitudes do atual pontífice. Na chegada disse que não tinha nem ouro nem prata, mas trazia algo mais valioso, Jesus Cristo. Além disso, deu exemplo de simplicidade na estadia no Brasil: chegou em carro comum, dormiu em quarto igual ao dos outros membros de sua comitiva, comeu o que lhe foi servido sem muitas exigências e quis sempre que pôde estar próximo de seus seguidores.

Em seu curto pontificado, já é possível observar que a maior mudança foi a de postura, abandonando a luxuosidade que acompanhava os outros Papas, inclusive o Beato João Paulo II. Nesse percurso, o novo Papa tem demonstrado que a Igreja Católica precisa de mudanças significativas, mas até agora foram poucos os movimentos em direção às transformações concretas, desse modo, é preciso aguardar.

Uma hipótese é que o diferencial de Francisco seja em fazer algo muito parecido com que fez aquele ao qual ele anuncia. Jesus Cristo, assim como é descrito nos quatro Evangelhos do Novo Testamento, nunca impôs nada aos seus seguidores, mas ao contrário, procurou em sua curta passagem pela Terra dar exemplo. Nos anúncios, principalmente feitos em forma de parábolas, procurou passar alguns ensinamentos ao discípulos que após sua presença deram início ao catolicismo.

Talvez Francisco esteja fazendo a mesma coisa, ou seja, procura com seu exemplo transformar a estrutura milenar de uma Igreja que soube se colocar ao lado dos poderosos e reprimir todas as manifestações teológicas críticas aos preceitos da Santa Sé.

A questão que fica é se apenas com a conduta do Papa é possível produzir as mudanças necessárias para a instituição católica continuar sendo importante no contexto social no qual se coloca como alternativa, como no caso brasileiro. Por exemplo, quando anuncia que devemos ouvir os jovens para entender suas demandas, implicitamente fala aos políticos, mas também ao clero para que prestem atenção na ações do Papa e procurem segui-las.  Mas será que os bispos conseguirão mudar seus costumes e a lógica de pensar as dioceses como feudos, sendo eles verdadeiros príncipes desses territórios?

Para a América Latina, almeja-se um catolicismo que seja elemento de emancipação de um povo que luta contra a exclusão, em detrimento de uma instituição alienante que fala ao povo a partir da ótica das classes exploradoras.

Francisco pode ser de fato o Papa da ruptura, assim como acredita Leonardo Boff, um dos principais teólogos da libertação. No entanto, terá que produzir mudanças efetivas na estrutura da instituição. E talvez apenas o exemplo pessoal não seja suficiente para colocar a Igreja ao lado dos interesses dos explorados.







[i] Publicado no jornal O Popular em 01/08/13.
[ii] Professor de Sociologia da UFG e autor dos livros “Religião e Juventude: os novos carismáticos” e “Juventude Católica: o novo discurso da Teologia da Libertação”.

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