segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Morte e vida de Aylan - Alfredo Gonçalves







Morte e vida de AYLAN

Aylan, anjo alado, filho de um pai em desespero,
que o inferno tentou trocar por um novo Eldorado:
cruza o mar para escapar ao solo pátrio dilacerado:
transformando a fuga em promessa, chama e canto,
mas literalmente extingui-se e morre na praia,
convertendo a aventura em dor e pranto.
Aylan, és a imagem viva de uma família desfeita:
a exemplo de Moisés não viste a terra Prometida,
a tenra vida a deixaste na rota de águas batidas;
imagem viva e luminosa de sonho e confiança
que sombra e pesadelo abatem, destruino a esperança.
Tampouco viste, Aylan, a febre de produção e consumo,
rica de tudo, farta e fátua, não raro privada de sentido;
livre até a exaustão, mas às vezes nua e faminta;
sufocada num dia-a-dia marcado pelo tédio e o vazio;
com mil formas de comunicação, encontra-se só,
dispõe de sofisticados sistenas de segurança,
mas traz na boca o gosto amargo de cinza e pó.
Não Aylan, não viste o rosto do medo, do pânico e da fobia,
do outro lado da fronteira, atrás de cercas, muros, arame farpado,
onde a polícia zela por um mundo despido de significado;
também não sentiste que as flores, os pássaros e as crianças
falam a linguagem decadente do otouno, da desesperança,
onde parece raro e caro o oxigênio vital da primavera
e mais escasso ainda os sinais anunciadores de uma nova era.
Aylan, teu pequeno corpo sem vida e teu rosto por terra,
gelaram o sangue da jornalista que imortalizou a imagem,
e nas veias da Europa gelaram de igual modo a paisagem
de um clima ambíguo diante do drama dos desterrados,
incônscio que pátria é sinônimo de acolhida aos forasteiros.
Tomara tua morte trágica, Aylan, não tenha sido em vão,
mas, de tão muda e silenciosa, se revele denúncia estridente:
possa sacudir pelas bases o mundo e o velho continente,
para os direitos humanos de quem está do lado de fora,
focalizando a humana dignidade no “aqui e agora”.
Dorme em paz, Aylan, anjo alado:
acariciada pelas águas e pela areia, tua singela figura
convida à solidariedade consciente, plural e madura;
e tua morte precoce nesse Mediterrâneo cemitério
seja semente de vida, segredo de todo mistério.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 13 de setembro de 2015

foto internet

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