Morte e vida de AYLAN
Aylan, anjo alado, filho de um
pai em desespero,
que o inferno tentou trocar por
um novo Eldorado:
cruza o mar para escapar ao
solo pátrio dilacerado:
transformando a fuga em promessa,
chama e canto,
mas literalmente extingui-se e
morre na praia,
convertendo a aventura em dor e pranto.
Aylan, és a imagem viva de uma
família desfeita:
a exemplo de Moisés não viste
a terra Prometida,
a tenra vida a deixaste na rota
de águas batidas;
imagem viva e luminosa de
sonho e confiança
que sombra e pesadelo abatem, destruino a esperança.
Tampouco viste, Aylan, a febre
de produção e consumo,
rica de tudo, farta e fátua,
não raro privada de sentido;
livre até a exaustão, mas às
vezes nua e faminta;
sufocada num dia-a-dia marcado
pelo tédio e o vazio;
com mil formas de comunicação,
encontra-se só,
dispõe de sofisticados
sistenas de segurança,
mas traz na boca o gosto amargo de cinza e pó.
Não Aylan, não viste o rosto do
medo, do pânico e da fobia,
do outro lado da fronteira, atrás
de cercas, muros, arame farpado,
onde a polícia zela por um
mundo despido de significado;
também não sentiste que as
flores, os pássaros e as crianças
falam a linguagem decadente do
otouno, da desesperança,
onde parece raro e caro o
oxigênio vital da primavera
e mais escasso ainda os sinais anunciadores de uma nova
era.
Aylan, teu pequeno corpo sem
vida e teu rosto por terra,
gelaram o sangue da jornalista
que imortalizou a imagem,
e nas veias da Europa gelaram
de igual modo a paisagem
de um clima ambíguo diante do drama
dos desterrados,
incônscio que pátria é sinônimo de acolhida aos
forasteiros.
Tomara tua morte trágica,
Aylan, não tenha sido em vão,
mas, de tão muda e silenciosa,
se revele denúncia estridente:
possa sacudir pelas bases o mundo
e o velho continente,
para os direitos humanos de
quem está do lado de fora,
focalizando a humana dignidade no “aqui e agora”.
Dorme em paz, Aylan, anjo
alado:
acariciada pelas águas e pela
areia, tua singela figura
convida à solidariedade
consciente, plural e madura;
e tua morte precoce nesse
Mediterrâneo cemitério
seja semente de vida, segredo
de todo mistério.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 13 de setembro de 2015
foto internet
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