terça-feira, 29 de novembro de 2016

Carta final do Seminário Nacional Realidades Juvenis

 

CARTA FINAL DO SEMINÁRIO NACIONAL REALIDADES JUVENIS


“Estamos pelas praças e somos milhões!”

Nós, participantes do Seminário Nacional Realidades Juvenis, somos mulheres e homens, na grande maioria jovens, de todas as regiões geográficas do Brasil, de Santa Catarina a Roraima, da Bahia ao Mato Grosso, e das mais variadas expressões culturais e político-sociais. Abrimos nossos olhos, ouvidos e sentidos para partilhar nossas realidades sociais e identitárias, na concretude do chão em que estamos, iluminando-as com a mística ecumênica libertadora, a poesia e o canto, e o testemunho das profetizas e dos profetas do povo de ontem e de hoje.
Nos reunimos entre os dias 18 a 20 de novembro de 2016, em Itaquera, periferia da cidade de São Paulo, neste momento de inverno democrático do nosso país e de efervescências de novas formas de organização e manifestações juvenis. A partir dessa experiência que vivemos durante os dias do seminário e do debate feito, nos posicionamos por meio desta carta para denunciar o que fere a vida das juventudes, do campo e da cidade, das escolas e das ruas, especialmente a juventude pobre da classe trabalhadora, e para defender o seu direito de existir e de se manifestar.
O Papa Francisco, na conclusão do III Encontro Mundial dos Movimentos Populares no último dia 05 de novembro, exortou: “Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca”.
Eis o que denunciamos:
  • O endurecimento do processo de exclusão e exploração das pessoas pobres na atual fase do capitalismo neoliberal;
  • O explícito retrocesso cotidiano dos direitos conquistados pelas juventudes;
  • A criminalização da juventude pobre e periférica, principalmente a juventude negra, alvo do Estado penal que opera na lógica do punitivismo, do encarceramento e da violência policial, que se configura como um verdadeiro genocídio dessa juventude;
  • A mídia hegemônica, concentrada nas mãos de algumas poucas famílias, políticos e igrejas, que estereotipa e criminaliza a juventude pobre, representando e veiculando apenas a sua versão da realidade, seguindo os interesses do capital e dos grupos privilegiados da sociedade;
  • A criminalização dos movimentos e das lutas populares, coletivamente ou através da perseguição pessoal de lutadoras/s e ativistas sociais;
  • O poder deletério do mercado e do capital sobre a educação e demais direitos sociais, atualmente naturalizado nas lamentáveis PEC 55 (teto dos gastos públicos) e da MP 746 (reforma do Ensino Médio);
  • Os discursos despolitizantes que esvaziam a proposta de uma educação crítica e libertadora, como são os casos dos discursos da “escola sem partido”;
  • O latifúndio e o agronegócio que ceifam vidas e oportunidades juvenis e impede o desenvolvimento da agricultura familiar e camponesa;
  • O machismo e o patriarcado, a LGBTfobia e o racismo, que estruturam as relações sociais e ferem a dignidade e a vida das mulheres, da população LGBT, e das/os negras/os.

“O meu desejo é a vida do meu povo”, disse Ester (cf. Es 7,3). E esse é também o nosso desejo. Por isso defendemos:
  • O valor da vida acima do dinheiro e do mercado, em uma sociedade efetivamente democrática e justa;
  • O fim do genocídio da juventude pobre, preta e periférica, do encarceramento em massa e da política de “guerra às drogas”. É urgente uma nova política de drogas e sua descriminalização, bem como a desmilitarização da polícia, da política e da vida;
  • O campesinato como projeto político e agrário para o campo brasileiro, que contemple as/os jovens e promova a integralidade de suas vidas, e uma Reforma Agrária ampla, verdadeira e popular;
  • Uma escola pública e gratuita, com efetiva participação das/os jovens estudantes e professoras/es e comunidades, sem o assédio do capital;
  • O respeito e afirmação das culturas originárias, destacadamente a indígena e a quilombola, assim como a arte e a cultura periféricas e marginais;
  • A real inclusão, empoderada, de pessoas com deficiência, especialmente jovens, nos nossos espaços internos, e também em espaços públicos e políticos, não meramente em forma discursos assistencialistas e tuteladores;
  • A luta, a caminhada e as organizações das mulheres que propõem e engendram novas práticas e relações, desvelando, denunciando e combatendo o machismo estrutural;
  • O fim do monopólio da grande mídia, e a necessidade da regulamentação e do controle popular dos meios de comunicação social;
  • As manifestações, as organizações e as lutas das juventudes na construção e na defesa dos seus direitos, suas culturas e seus sonhos, reconhecendo a legitimidade dessas formas de reivindicação, a exemplo das milhares de ocupações em escolas, institutos federais e universidades no país;
  • O total respeito à religiosidade do povo e às suas diversas e ricas manifestações de fé, reafirmando o ecumenismo e o diálogo interreligioso, assim como o direito de professar ou não uma fé.
  • O diálogo intergeracional em torno das urgências ambientais, na corresponsabilidade de cuidado com a Mãe Natureza, nossa Casa Comum, bem como uma agenda ambiental que comprometa a sociedade civil e os poderes políticos na construção de alternativas reais de superação da atual crise socioambiental.

Compreendemos que essas linhas de denúncias e de defesas podem gerar também uma rede de solidariedade entre as lutadoras e os lutadores, entre as pessoas que doam suas vidas de forma generosa e gratuita para a construção do Outro Mundo Possível, e queremos nos reafirmar em torno dessas lutas. Vidas movidas por grandes causas alcançam Horizontes inimagináveis!
Em tempos de crise política e institucional, de encruzilhada, renovamos nossas opções radicais pelas/os pobres e por um mundo plural, diverso, sustentável, justo e igualitário, onde haja lugar para todos os mundos possíveis. Temos e fazemos memória da História, aquela contada pelas pequenas e pequenos, que ensinam a dignidade de lutar sonhando sonhos coletivos, e de defender esses sonhos até as últimas consequências.
Esse tempo de crise, as opções feitas e o acúmulo histórico nos fazem perceber que está para nascer um novo ciclo político, institucional e também eclesial, e nós apontamos para essa direção, sem medo do novo. E é do meio das/os pobres, das camadas mais populares, que a novidade vem!
Instigadas e instigados por tudo que vivemos e ouvimos, seguimos em marcha para que todas as jovens e todos os jovens “tenham vida, e vida plena!”.
 Assinam essa carta as e os participantes do Seminário Nacional Realidades Juvenis.
São Paulo/SP, 20 de novembro de 2016, Dia da Consciência Negra.

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